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Channel: Mamiimari - Doula em Cascavel
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Relato de Parto Otávio, Carine e Everton

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Porque um dia romantizei o parto humanizado

Aderi ao parto humanizado através do blog de uma prima muito querida que sempre foi grande defensora da idéia, a Mariana. Antes mesmo de pensar em ser mãe, eu já seguia as publicações dela eufórica e concordante. Algumas me chamaram particularmente a atenção. Uma que falava do circo de horrores que é a cesariana, outra das falsas indicações dessa cirurgia muitas vezes desnecessária e ainda vários relatos de partos humanizados lindos com fotos maravilhosas ou vídeos emocionantes. Pois bem, era isso que eu queria pra mim quando engravidasse! Bingo!

Conheci meu marido, começamos a namorar, casamos, engravidamos. Tudo isso num curto período de 2 anos. Me assustei com a gravidez, os planos eram esperar mais 2 anos, porém com meu problema de cistos no ovário resolvi parar o anticoncepcional para me adiantar a qualquer dificuldade em engravidar. No primeiro mês sem a pílula nosso filho veio, era pra ser ele, nosso Otávio, eu já havia até sonhado com este bebê antes mesmo de gerá-lo.

Passado o susto foi somente uma questão de amor que cresce. Cresce junto com a barriga. Cresce a cada ultrassom, a cada movimento dentro do ventre. Cresce com os planos para o quartinho, com as roupinhas compradas e depois lavadas e arrumadas com tanto carinho. Cresce com as mudanças em nossas vidas, mudanças antes jamais desejadas e depois simplesmente apaixonantes. Cresce com os planos para o parto também. Com a imaginação de como será o nascimento.

Eu já tinha tudo em mente. Assisti milhões de vídeos inspiradores. Ele viria de forma natural, eu seria a protagonista do meu parto. Iria para o hospital somente com trabalho de parto avançado e pelo menos 7 cm de dilatação. Meu marido participaria, assim como minha mãe guerreira, minha doula e prima amada e minha enfermeira obstétrica querida. Everton, Doraci, Mariana e Honielly meus anjos!

Durante a gravidez e todo esse planejamento houve intercorrências. Primeiro o fato de ter que parar com meu remédio para depressão devido à gravidez, me deixou mais sensível e com desequilíbrios emocionais constantes. Sorte minha ter um marido tão querido e compreensivo que muitas vezes segurou a barra quando teria todo o direito de me jogar pela janela. Segundo que deixar a empresa para licença maternidade me preocupava muito, pois meu pai-chefe demonstrava o tempo todo a vontade que tinha de que eu não me afastasse por mais de 30 dias e por isso não queria colocar ninguém no meu lugar. Depois eu tive uma alergia na pele e meu obstetra simplesmente me veio com essa: “Isso pode ser colestase gravídica, existe um exame que demora 3 semanas pra sair o resultado e nos dar certeza, se for, nós teremos que interromper a gravidez na semana 38 pelo risco de morte fetal”. Eu fiquei muito assustada, apreensiva, ansiosa... principalmente pelo fato de que até que esse resultado saísse eu teria passado da semana 38, ou seja, não havia tempo de ter certeza e a decisão seria minha. Fiz o exame mesmo assim e ligava todos os dias no laboratório na esperança de apressar o resultado explicando pros profissionais o quanto e porque isso era tão importante para mim.

Depois de 3 semanas e véspera de feriado super prolongado em minha cidade fui pessoalmente ao laboratório tentar pegar o resultado do exame sem sucesso. Era uma quinta-feira, dia 14 de novembro, aniversario do município e a funcionária responsável pelo meu caso havia viajado. Pirei, mas tentei me tranqüilizar pelo fato de não ter mais sintomas da doença depois de ter “respirado” tudo com a Silvinha de Jesus (profissional maravilhosa, pessoa querida e doce). Acredito que a alergia foi resultado de um choque muito grande que tive em minha gravidez (um problema familiar que não poderei expor, mas entenda, preciso preservar a pessoa envolvida) foi uma doença psicológica, coisas da nossa emoção, do nosso coração.

Além de tudo isso, sempre tem as pessoas que nos encorajam a desistir da idéia do parto humanizado (se é que essa expressão existe: encorajar a desistir?). Mas este foi o menor dos meus problemas. Estou falando isso para que você que esta lendo, caso sonhe com o parto natural, saiba que existe muita desinformação por parte da maioria das pessoas que nos rodeiam. É importante que sejamos firmes, decididas e acima de tudo corajosas ao enfrentar criticas e as conseqüências dessa decisão. Eu sempre estive certa do que eu queria, por isso esse tipo de coisa não me afetou. Meu filho nasceria de parto humanizado, salvo por alguma indicação REAL de cesárea.

Na sexta feira, dia 15 de novembro, estava muito calor. Eu e meu marido fomos almoçar na minha sogra e depois mesmo sendo feriado prometi ao meu pai que iria ajudar meu irmão colocar o serviço do escritório em dia (com a minha licença maternidade as coisas ficaram um pouco bagunçadas). As 2 horas da tarde senti um liquido escapando e molhando minha calcinha. Pensei que estava fazendo xixi sem sentir, coisa que às vezes acontece na gravidez. O liquido não tinha cor e nem cheiro de urina. Dali a pouco escapou mais um pouquinho e minha mãe sabiamente me disse que poderia ser a bolsa. Liguei para a Mari, pra Honi e pro obstetra e combinamos que eu iria no plantão dele no inicio da noite. Mesmo a Honi me pedindo para não deixar que ninguém fizesse o toque devido ao risco de infecção se a bolsa estivesse rompida, fiquei imóvel igual uma planta quando o Dr decidiu fazê-lo para analisar se havia esse rompimento. A gente confia no medico né?! Senti minha fragilidade naquele momento. Mesmo estando decidida, tremi na base ao imaginar que ele pudesse me indicar uma cesárea e eu não ter força e coragem de me opor.

Nada de liquido no teste... e mesmo assim ele soltou: “Bolsa rota, precisamos te internar agora e se não nascer em algumas horas precisaremos induzir o parto pelo risco de infecção.” Mas fui forte e corajosa e venci minha fragilidade dizendo que não iria me internar aquela hora, que quando eu entrasse em TP (trabalho de parto) voltaria ao hospital. Eu sei que pra ele seria melhor induzir, pois era o meu obstetra e estava de plantão justamente naquela noite. Mas não me importei, entreguei nas mãos de Deus e confiei plenamente.

A Honi estava comigo no atendimento do obstetra e me tranqüilizou. Na saída deu algumas instruções sobre verdadeiro ou falso TP. Me disse que possivelmente eu entraria em TP na manhã seguinte.

Fomos para casa. Eu estava muito ansiosa, e mesmo aconselhada pela Honi a dormir, eu não conseguia. Tomei remédio para dormir a 1:30 da madrugada e quando voltei pra cama tive uma sensação estranha, como se alguma coisa tivesse rompido, estourado na barriga. Achei que era a bolsa, mas nenhum liquido escapou. Logo depois veio a primeira contração, e já veio forte, 3 minutos depois veio a segunda e uma vontade imensa de fazer coco, ate pensei que fosse cólica intestinal. Fiquei internada no banheiro das 2 as 3 da manhã com muita diarréia e claro muita dor. Porque a natureza é perfeita né?! O meu corpo estava limpando para o trabalho de parto. Tomei um banho e percebi que as contrações aumentaram, logo liguei pra Mari, pra Honi, acordei meu marido e ele foi buscar minha mãe.

As minhas anjinhas foram chegando uma a uma, primeiro a Mariana, depois a mãe e por último a Honi. Pelas contas delas eu já estaria com bastante dilatação. Lembro da Mariana ter me perguntado quanto eu achava que estava de dilatação e eu respondi que achava ser uns 3 ou 4 cm. Pra minha surpresa a Honi fez o toque e falou que já estávamos com 7 ou 8 e que deveríamos ir pro hospital naquela hora mesmo.

Confesso que fiquei um pouco frustrada. Cadê aqueles intervalos lindos que eu via nos vídeos de trabalho de parto que as mães conseguiam sorrir, conversar, comer alguma coisa e acima de tudo se preparar para o que estava por vir? Não tinha isso. Era uma contração atrás da outra desde a primeira. Sem tempo de respirar, sem condições de conversar, era somente aquela dor inenarrável que parecia me abrir ao meio. Mas tá né, acho que entrei pras estatísticas das mães com trabalho de parto a jato.

Saímos pro hospital às 5 da manhã e pra mim parecia que tinha passado apenas meia hora. O tempo pareceu acelerar e tudo aconteceu muito rápido. Quando vi já estava no banheiro do quarto do hospital sentada na banqueta de parto da minha doula e esperando ele, meu filho, chegar. Meu marido me jogava água com o chuveirinho para relaxar, a Honi me motivava, a Mari fotografava, filmava e a presença da minha mãe me dava força e me enchia de orgulho (de mim e dela). Minha fraqueza física era grande, eu não tinha dormido nem comido nada, não tinha muita força e até dormia nos segundos entre uma contração e outra. Meu corpo trabalhava e eu sabia que dali pra frente não dependia mais de mim e sim da sabedoria do meu corpo, da natureza, da hora do meu filho. Pedi analgesia, pensei em cesárea, gritei, chorei, tive medo, sofri muito e nos últimos minutos consegui me entregar... ele estava vindo, a situação era irreversível, ou ele vinha ou vinha!



E ele veio, as 06:43 da manhã do dia 16 de novembro de 2013. Olhei pra baixo e mal pude acreditar, saiu a cabeça, em seguida seu corpinho. E na passagem dele não senti nenhuma dor, apenas felicidade. Peguei ele no colo para tranqüilizá-lo, ele chorava muito, porque pra ele também foi um parto, ele também precisou romper barreiras, ser forte e corajoso, ele também se entregou ao desconhecido e apenas confiou. Meu filho lindo, no meu colo, cheirando a vida, exalando um calor aconchegante, sendo minha cria, sangue do meu sangue, corpo do meu corpo.

A Honi me deu uma injeção de ocitocina, pois tive uma pequena hemorragia, nada preocupante. Depois fomos pro quarto e veio minha placenta. Meu filho teve o cordão umbilical cortado tempos depois e pelo papai. Foi atendido pela pediatra, e hoje quando vejo isso no vídeo fico um pouco triste. Se fosse parto domiciliar meu filho não teria sido tratado de forma tão brusca. Ela o pegou como se fosse um frango e foi fazendo alguns procedimentos de maneira bruta. Minha mãe estava junto e pegava na mãozinha dele pra acalmar e a pediatra pedia para se afastar, e ele chorava, tremia, estava inseguro.

Mas logo veio pro meu colo e aquele momento jamais vou esquecer, ele olhou demoradamente pros meus olhos como quem diz: conseguimos mamãe? Ta tudo bem agora? Posso relaxar? E na fragilidade daquele olhar profundamente questionador eu entendi tudo. Sim meu filho, conseguimos! Você nasceu filho e eu nasci mãe, agora sim estou pronta pra você e então juntos pudemos relaxar. Ele logo mamou e nosso vinculo estava consumado: pra sempre mãe, pra sempre filho. Nossa família tinha começado ali, eu, meu marido e nosso filho, fruto do nosso sim, do nosso amor, da nossa entrega.

Tive algumas lacerações, 5 ou 6 pontos se não me engano, mas todos em mucosas, nada muscular. Eu estava muito cansada, muito assustada com tudo aquilo. Eu tinha uma visão tão romântica do trabalho de parto porque os assistia no youtube, um mais lindo que o outro, como em um conto de fadas sem dor. Mas só o que é bonito vai pra internet né!? Dificilmente colocam a gritaria, a explosão de dor que expõe a fragilidade. Eu estava sofrida e frágil e quase não acreditava que havia conseguido. Queria entender naquela hora porque doeu tanto, porque parir exige tanto sofrimento. Mas era muito cedo pra entender.

Hoje meu filho esta prestes a completar 4 meses e eu enfim consigo digerir tudo e parir este relato.

As coisas fazem sentido. As dores da minha infância se misturaram as dores da infância e juventude da minha mãe e também a aspereza da vida da minha avó materna. As mulheres da minha família enfrentaram muitas dificuldades. Suportaram machismo, ignorância, surras, humilhações. Eu, particularmente, suportei calada abusos na infância que foram gritados no meu trabalho de parto.

Mulher sofre mesmo, quantas antes de nós foram menosprezadas, rejeitadas, abusadas, violentadas. Quantas tiveram seus direitos negados. E quantas ainda suportam esse tipo de situação quando se sujeitam a decisões alheias e a própria violência obstétrica. Mas ser mulher não é só sofrimento, aliás, parir em si não é só sofrimento. Parir é divino, parir é mistério, parir é cura, parir é privilegio feminino, pois só nosso gênero é capaz de suportar e ainda por cima entender toda essa missão.

Eu consegui me libertar de muita coisa no meu trabalho de parto. Além do abuso tem o fato de ter sido desejada homem pelos meus pais e crescer tentando provar que posso ser tão boa quanto um. Quando nasci mãe consegui finalmente assumir minha feminilidade em plenitude, e amar essa minha condição. Sou parte de uma geração que veio pra fazer a diferença e pra provar pro mundo (e pros médicos que insistem em nos tornar meras espectadoras dos nascimentos dos nossos filhos) que sim, queremos, podemos e conseguimos transpor barreiras físicas, emocionais e curar nossas feridas da alma parindo nossos rebentos por nós mesmas.

Hoje eu digo cheia de orgulho: CONSEGUI! FUI CAPAZ!

E você? Vai encarar?


*Relato escrito pela mãe Carine Tomacheski Garbin
*Imagens: Arquivo Pessoal

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